Equipe participante do grupo gestor do Projeto Promoção dos Direitos Trabalhistas na América Latina
Trabalhadores na linha de montagem da Mercedes-Benz: palco de importantes movimentos trabalhistas e sindicais nos anos 1980
COOPERAÇÃO EM MEIO À REPRESSÃO
Enquanto a ditadura militar mantinha os movimentos sociais e sindicais sob a mira,
dirigentes e trabalhadores alemães viam no Brasil um potencial de mudança
A década de 1970 ainda não havia chegado ao fim, assim como o período da ditadura militar no Brasil. Com a mesma mão de ferro com que conduziam a repressão nacional, militares haviam sido colocados em altos cargos em multinacionais operantes no País. Em um ambiente de desrespeito aos direitos humanos e trabalhistas, operários tentavam se organizar na busca por condições mínimas de dignidade no chão de fábrica. E foi neste cenário que a cooperação sindical entre Brasil e Alemanha começou a dar os primeiros passos.
Trabalhador na Bayer desde 1979, o ex-dirigente do Sindicato dos Químicos de São Paulo José Neri viveu de dentro da multinacional os anos 1980, um período de muita luta dos trabalhadores pelo fim da ditadura, pela abertura política e redemocratização do País, pela retomada dos sindicatos, pela liberdade de organização e avanço do novo sindicalismo.
Foto: Débora Klempous
Neri: pioneirismo na cooperação Brasil-Alemanha
Neri fez parte das primeiras comitivas de trabalhadores brasileiros que tiveram a oportunidade de ir à Alemanha para cooperação, troca de experiências e solidariedade com os alemães. A primeira viagem que fez foi no início dos anos 1990.
“Voltamos com mais conhecimento sobre a empresa, sobre como eles negociam e atuam lá, sobre a representação que os trabalhadores tinham nas comissões de fábrica”, lembra. “Logo que voltei fiz um discurso e já comecei dizendo ‘nós exigimos’. O diretor de recursos humanos me chamou a atenção, mas eu respondi que quem ‘pede’ está sujeito ao outro fazer o que quiser, mas quem ‘exige’ sabe dos direitos que tem”.
Voltei da Alemanha
dizendo ‘nós
exigimos’, que é diferente de ‘nós pedimos’
José Neri, ex-dirigente do Sindicato dos Químicos de São Paulo
De base para base
Nos primeiros anos da década de 1980, as grandes mobilizações começavam a mudar o cenário no Brasil. Em 1981, acontece a 1a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora, reunindo a representação de 1.091 entidades sindicais. Foi a primeira grande reunião intersindical desde 1964, discutindo sobre direito ao trabalho, sindicalismo, saúde e previdência social, política salarial, econômica, agrária e problemas sociais. Foi quando deliberou-se pela criação da Comissão Nacional Pró-Central Única dos Trabalhadores (Pró-CUT).
No mesmo ano, em outubro, acontece a primeira grande manifestação nacional convocada pela Comissão. Em meio às mobilizações nacionais, os trabalhadores brasileiros em empresas multinacionais já contavam com o apoio que vinha da Europa e de seus colegas alemães. Eram tempos difíceis, as multinacionais com sede no Brasil ignoravam as normas e diretrizes internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“Mesmo antes da fundação da CUT, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo já tinha contato com os alemães, desde o final dos anos 1970. Temos um exemplo muito forte de 1982, no caso da Volkswagen, quando os trabalhadores conquistaram a primeira comissão de fábrica”, conta Osvaldo Bargas, ex-secretário de Relações Internacionais da CUT e, na época, secretário geral do Sindicato. Ele lembra que os metalúrgicos alemães, ao tomarem conhecimento de que os brasileiros não tinham direito à participação em qualquer decisão ou representação na empresa, exigiram outro nível de tratamento aos colegas do Brasil.
ANOS 1980
Foto: Débora Klempous
CONHECIMENTO E MUDANÇA
A cooperação internacional tem sido, ao longo das últimas décadas, uma das principais ferramentas para a promoção dos diretos de trabalhadores e trabalhadoras em empresas multinacionais.
O intercâmbio de informações entre Brasil e Alemanha foi um dos pioneiros neste processo, ainda no final dos anos 1970, época em que a ditadura militar ameaçava os direitos humanos e trabalhistas na América Latina.
Por mais de 30 anos, sindicatos brasileiros e alemães lutam juntos por empregos decentes, por respeito às condições de saúde e segurança no local do trabalho, pela liberdade sindical, por igualdade de gênero e maior participação da juventude no movimento sindical.
Neste período histórico, a luta pela democratização do País encontrou no sindicalismo uma motivação, que permanece até hoje, contra a exploração do trabalho pelo capital.
Neste processo, a capacitação de trabalhadores conscientes de seus direitos e atuantes por mudanças tem sido a grande conquista e o motor gerador de mudanças.
Esta publicação é fruto do projeto Promoção dos Direitos Trabalhistas na América Latina, apoiado pelo instituto de formação DGB Bildungswerk e gerido conjuntamente pela Central Única dos Trabalhadores, Instituto Observatório Social, Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT e Confederação Nacional do Ramo Químico da CUT.
Ela busca não apenas o resgate histórico dessas três décadas de cooperação, comemoradas entre CUT e a central sindical alemã DGB em 2014, mas também uma reflexão sobre os avanços e desafios para o sindicalismo na América Latina, em especial em empresas multinacionais alemãs e brasileiras.
A seguir, você poderá conhecer um pouco mais sobre este processo de aproximação, de lutas e de conquistas.
Boa leitura.
EDITORIAL
Foto: Débora Klempous
Foto: Débora Klempous
Suporte mútuo: comunicação começou com cartas e evoluiu com as facilidades da tecnologia
Apoio dos trabalhadores europeus contribuiu para a criação da primeira comissão de fábrica, em 1982, na Volkswagen
“O ato de solidariedade concreto deles, quando nós apresentamos um dossiê mostrando a forma truculenta como a empresa se relacionava com os trabalhadores na planta brasileira, foi exigir mudanças ou negar-se a assinar pontos importantes para a política da empresa. Usaram a cogestão a nosso favor”, conta Bargas.
Fernando Lopes, hoje secretário adjunto da IndustriALL, também lembra que para falar da relação entre a DGB e a CUT é preciso remontar ao período pré-CUT.
Foto: Débora Klempous
Felício: solidariedade estrangeira ajudou na criação da CUT
“No caso dos metalúrgicos, sei que coisa parecida aconteceu com os químicos também, a história começou entre os trabalhadores de fábricas alemãs com trabalhadores brasileiros na época das grandes greves do ABC. Não era ainda institucionalizada, eram grupos de solidariedade dos trabalhadores ligados aos setores mais à esquerda e mais democráticos do Ig Metall, era um trabalho de base para base”, diz. “Com a fundação da CUT, o processo só se aprofundou”, explica.
“Não tenho receio de dizer que, se não fosse o apoio do movimento sindical internacional nos anos 1980, teríamos demorado mais para consolidar a CUT. E a solidariedade da DGB, dos trabalhadores alemães das várias categorias, foi e é de enorme importância desde o início”, ressalta João Felício, recentemente eleito presidente da Confederação Sindical Internacional (CSI). “A política internacional da CUT sempre foi muito ousada no sentido de que as lutas não podem estar colocadas somente num país. Ousadia e coragem que já vinham desde antes da fundação, com os sindicatos que já faziam a relação com outros países, fortemente com a Alemanha”, afirma
Foto: Débora Klempous
Bargas: solidariedade alemã ajudou contra abusos
Cooperação com alemães começou de base para base e se aprofundou a partir da fundação da CUT
Parceria Brasil e Alemanha
Fábricas de contrastes
Legitimação internacional
Modelos sindicais
José Drummond, dirigente do Sindicato dos Químicos e Petroquímicos do ABC no início daqueles anos históricos para os trabalhadores, ex-dirigente da CUT e da ICEM (atual IndustriALL), lembra que a relação com os alemães ajudou a pensar mais qualificadamente sobre como levar os sindicatos e os dirigentes a uma relação internacional mais consequente e com a participação da base. “Nós conhecemos uma realidade diferente daquilo que vivíamos. Desde as nossas greves, começamos a ver que os nossos trabalhadores tinham uma situação muito diferente dos seus colegas alemães, embora fazendo a mesma função aqui e lá. Você tinha uma lei alemã de cogestão, com participação dos trabalhadores na direção da empresa, e aqui se vivia ainda a era do tacape. Você sequer tinha uma representação do sindicato dentro das empresas. Para nós constituirmos uma comissão de fábrica eleita pelos trabalhadores foi muito difícil. Foram muitas greves na Mercedes, na Volkswagen e outras empresas alemãs, como na BASF”, conta.
Nesta época, o apoio aos trabalhadores brasileiros vinha também através de entidades ligadas à Igreja e a partidos de esquerda da Alemanha, como o Instituto Latino-Americano de Desenvolvimento Econômico e Social (Ildes), atual Fundação Friedrich Ebert (FES). “A experiência do novo sindicalismo brasileiro também foi muito rica para os alemães naquele período, não só pela novidade, pois era a articulação do sindicalismo com papel protagonista e com ação política explícita”, analisa Waldeli Melleiro, atual diretora de Projetos do Programa Sindical da FES.
Foto: Débora Klempous
Drummond: vivíamos a era do tacape no Brasil
“As mobilizações que aconteceram aqui nos anos 1980 eram uma coisa que estava na contramão do que acontecia na Europa, onde você tinha uma certa crise, um certo descenso. O que acontecia aqui era totalmente novo, as pessoas estavam na rua, uma série de greves e mobilizações, legitimação de lideranças sindicais e políticas fortes – veja o caso do então líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva. Era uma ação muito aguerrida, que também inspirava os alemães”, lembra.
A experiência do novo sindicalismo foi muito rica para os alemães naquele período
Waldeli Melleiro, diretora de Projetos do Programa Sindical da FES
Foto: Débora Klempous
A greve geral começou em 21 de julho de 1983. Embora muito reprimida pelo governo militar, paralisou em todo o Brasil aproximadamente três milhões de trabalhadores, mostrando o fortalecimento da organização. No mesmo ano, em 28 de agosto, durante o 1o Congresso Nacional da Classe Trabalhadora, com a presença da DGB entre as centrais sindicais internacionais mais importantes, representada na ocasião por Hans Kruger e legitimando a luta dos trabalhadores brasileiros, nasce a Central Única dos Trabalhadores (CUT), tendo como coordenador geral o metalúrgico Jair Meneguelli.
Entre os objetivos e princípios da CUT, definidos naquele histórico CONCLAT prestigiado e apoiado pela DGB, o Artigo 9o é o da Solidariedade Internacional: “A CUT será solidária com todos os movimentos da classe trabalhadora e dos povos que caminham na perspectiva de uma sociedade livre e igualitária. A CUT será solidária nas lutas pela emancipação da classe trabalhadora, pela emancipação dos povos e pelo fim das guerras imperialistas. A CUT manterá relações com todas as centrais sindicais, conservando sua autonomia e independência”.
No ano seguinte, 1984, um grupo de sindicalistas brasileiros na Volkswagen, na Mercedes e na General Motors foi à Alemanha para conhecer mais profundamente a realidade dos trabalhadores alemães. Aconteceram também intercâmbios entre trabalhadores do ramo químico, em especial na multinacional BASF. Iniciou-se, então, um período de muita troca de informações entre os trabalhadores das várias categorias.
O Rede Sindical no 44, boletim das Redes Sindicais nas Empresas Multinacionais, produzido pelo Observatório Social em 2004, registra um seminário na Alemanha, organizado pela DGB Bildungswerk e outras entidades, que discutiu 20 anos de solidariedade entre brasileiros e alemães, lembrando aquela viagem dos dirigentes brasileiros em 1984 como ponto de partida para a intensificação e aprofundamento dos contatos. Com o título “Reorganização social no Brasil e na Alemanha em tempos de globalização”, o seminário contou com a participação de Vicente Paulo da Silva, ex-presidente da CUT e outros dirigentes.
Os alemães Angela Hidding e Fritz Stahl foram trabalhadores na Mercedes-Benz e têm uma história intensa na trajetória da cooperação com o Brasil, desde os anos 1980. Fritz foi delegado sindical, Angela foi membro da Comissão de Fábrica da Mercedes. Até hoje fazem parte, por exemplo, em Mannheim, sua cidade, do grupo de trabalho Solidariedade com os sindicatos brasileiros. Eles se lembram bem daquele encontro de 1984, na Alemanha, e de sua importância. Logo em seguida, vieram ao Brasil e ficaram “impressionados com a luta de muitos segmentos da população, através da participação ativa na vida nas fábricas, nos bairros e outras lutas”.
Em sua avaliação, apontam algumas questões que colaboraram, com persistência, para o avanço da solidariedade entre os trabalhadores dos dois países: “Cada povo experimentou o que move o outro, quais são os seus problemas, as suas lutas e sucessos. No começo, enviamos uns aos outros cartas manuscritas, depois a comunicação se aprimorou com a introdução de máquinas de fax e, agora, com meios de comunicação de hoje. Sempre atuamos pensando no suporte mútuo, no apoio, como no caso de demissões ilegais em Campinas e São Bernardo do Campo”, lembram os alemães.
A solidariedade internacional com os movimentos da classe trabalhadora é um dos objetivos e princípio
da CUT desde
a fundação
Foto: Arquivo/Cedoc CUT
Comissão da Volkswagen: cooperação internacional é permanente
“Foram muitos seminários realizados durante os programas de intercâmbio, houve um esforço constante para aumentar a visão comum das estratégias globais e desenvolver tipos de resistência local e global. Tudo só foi possível, claro, com os esforços que foram iniciados e desenvolvidos na década de 1980, lá nos primeiros encontros”, completam. Até hoje Angela e Fritz falam para delegados sindicais, em seminários do IG Metall, sobre o trabalho e a luta internacional e sua importância estratégica.
João Cayres, atual secretário geral e de Relações Internacionais da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM/CUT), conta que a parceria com o Ig Metall, sindicato filiado à DGB, foi muito importante para os metalúrgicos. “Foi muita colaboração, desde os anos 1980, política e financeiramente, em questões importantes de formação, na ampliação do conhecimento, para nós abrirmos o olhar sobre o sindicalismo com a visão mais da base. Eles tinham e têm um modelo sindical diferente do nosso. Nós tomamos como referência para várias questões e fomos adaptando para os nossos padrões, entendendo as diferenças e nos aproximando, entendendo que a cogestão é possível, sempre aplicando às nossas situações, aos nossos contextos”, explica o dirigente. De acordo com ele, para os alemães também foi e é, atualmente, importante que os trabalhadores brasileiros tenhamos direitos garantidos e legitimados dentro das mesmas empresas. “E assim também acho que foi e é importante para eles conhecerem a forma como fazemos nossas lutas sindicais. A troca de conhecimento sempre foi muito rica”, avalia Cayres.
O sindicalismo alemão nos serviu de referência para várias questões, que fomos adaptando aos nossos padrões
João Cayres, secretário
geral da CNM/CUT
Foto: Arquivo/Cedoc CUT
I CONCLAT: nasce a CUT, em agosto de 1983
Inimigo comum: neoliberalismo dos anos 1990 trouxe perdas à classe trabalhadora no Brasil e na Alemanha
FORMAÇÃO E AS SEMENTES DAS REDES SINDICAIS
Nos anos 1990, os intercâmbios se intensificaram e ganharam reforços de projetos de formação de trabalhadores e trabalhadoras em todo o Brasil
O alemão Fritz Hofmann lembra-se muito bem da primeira visita que fez ao Brasil, em 1990. Ele foi trabalhador na BASF em Ludwigshafen, delegado sindical e viajou com um grupo de militantes da base de outras empresas químicas alemãs. “A nossa intenção foi estabelecer contatos de base a base, de trabalhador a trabalhador. Nós queríamos saber como era a vida de nossos colegas no Brasil, como eram as lutas deles. E como se comportavam as grandes multinacionais nas outras partes do mundo. Nos primeiros anos, este trabalho foi fora do nosso sindicato, com nossas verbas e com nosso tempo livre. Depois a postura do sindicato mudou. E depois, mais tarde, veio a fundação da Rede BASF”, lembra.
Hofmann diz que se sente muito orgulhoso de fazer parte de um processo que aumentou a potência dos trabalhadores do grupo BASF e de outros setores: “Este passo foi possível porque tivemos nos dois lados companheiros que organizavam o intercâmbio com energia, resistência e convicção. Os encontros com os companheiros e companheiras brasileiros, na Alemanha ou no Brasil, sempre traziam uma vantagem enorme para mim: me traziam uma nova motivação na luta cotidiana. São companheiros formados nas mobilizações dos anos 1970 e 1980 no Brasil, que espalharam sua coragem e sua convicção de que outro mundo é possível”.
Foto: Débora Klempous
Lorenzetti: forte cooperação entre as base
Já nos anos 1990, os intercâmbios se intensificam e novos desafios surgem, principalmente frente às políticas neoliberais que trouxeram muitas perdas aos trabalhadores e ameaças à organização sindical. A cooperação entre CUT e DGB aprofunda-se. A formação passa a ser essencial. “Começamos a desenhar que tipo de cooperação mais efetiva poderia acontecer. Alguns campos foram desenhados: um campo mais no nível direto das duas centrais e outro, que dizia respeito aos sindicatos. Foi um momento de conhecimento maior sobre a estrutura sindical alemã”, conta Jorge Lorenzetti, secretário de Formação da CUT na época.
A CUT estava no processo de desenvolvimento de sua Política Nacional de Formação e o modelo de escolas regionalizadas da DGB serviu de inspiração aos brasileiros. “Na construção, discutimos que nossa política nacional de formação deveria ter atividades de âmbito nacional, na época concentradas no Instituto Cajamar, mas também uma estrutura de formação descentralizada nas regiões do País. Então surgiram as escolas regionais, com apoio de várias centrais internacionais”, explica Lorenzetti.
Solidariedade e formação
E foi assim que, em um intenso programa de cooperação entre CUT e DGB, consolidou-se a Escola Sul, com sede em Florianópolis (SC). Para que ela pudesse ser construída, foram desenvolvidas ferramentas não só de intercâmbio, mas também de aporte de recursos financeiros. Os metalúrgicos do Ig Metall, na Alemanha, junto com a DGB Bil-dungswerk (DGB BW, centro de formação da DGB), organizaram uma campanha de base com os trabalhadores metalúrgicos alemães para dar contribuição financeira.
A cooperação
começa a ser mais efetiva entre
a CUT e a DGB
Foto: Arquivo/Cedoc CUT
Escola Sul: fruto da colaboração entre CUT e DGB
Modelo de escolas regionalizadas da DGB serviu
de inspiração para a Política nacional de Formação da CUT
ANOS 1990
Foto: Débora Klempous
Foto: Débora Klempous
Nos anos 1990, os intercâmbios se intensificam e novos desafios surgem
Uma delegação de trinta metalúrgicos alemães esteve no Brasil no lançamento da pedra fundamental. “Foi um processo bastante emblemático sobre como se desenvolveu a solidariedade, mostrando que a ideia não era uma cooperação só das direções, mas da base dos trabalhadores”, ressalta Lorenzetti. Até uma cozinha industrial foi envidada pelos alemães como contribuição à Escola Sul. Houve, também, a aprovação de um projeto da DGB BW junto à União Europeia para doação de recursos.
A Escola Sul tornou-se um centro difusor da discussão e formação sobre os aspectos de globalização de direitos, sobre o olhar para a construção do outro lado da moeda da globalização – uma luta por direitos que só podem ser conquistados com a solidariedade e com a ação sindical internacional, com a visão da sustentabilidade e da responsabilidade social.
O incentivo às relações Sul-Sul foi outro destaque. “Um ponto forte, além de outros temas importantíssimos debatidos na Escola Sul, foi ampliar nossas relações e cooperação com os vizinhos, com Argentina, Chile, Uruguai, Colômbia e outros países próximos. E com a África também”, relembra Jorge Lorenzetti.
Foto: Débora Klempous
Jacobsen: criação do Observatório Social aprofundou relações
A preparação para o enfrentamento dos desafios impostos pelas políticas neoliberais e pela globalização a partir de maior conhecimento sobre como as multinacionais se movimentam e atuam nos diversos países também ocupou lugar central nos anos 1990, dentro da cooperação CUT e DGB.
“Quando criamos o Instituto Observatório Social, a parceria aumentou ainda mais, porque pudemos fazer várias pesquisas sobre as multinacionais, além de outras ações. Dentro da política de formação da CUT, sempre pensamos em fortalecer o conhecimento de nossos dirigentes para o combate, consolidação de direitos e denúncias contra abusos ou descumprimento de normas internacionais, principalmente nas multinacionais”, analisa Kjeld Jacobsen, ex-dirigente da CUT e ex-presidente do Instituto Observatório Social.
Formação
Mulheres, juventude e meio ambiente
Formação de lideranças
“Os anos 1990 foram emblemáticos para o sindicalismo brasileiro. Diferentemente da década anterior, quando no bojo das lutas pela redemocratização do País e afirmação do chamado ‘novo sindicalismo’, fundamos a CUT e barramos as tentativas de implementação da agenda neo-conservadora de ajuste econômico, os anos 1990, sobretudo com a vitória de Fernando Collor nas eleições de 1989 e de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, representaram uma conjuntura de perdas significativas para a classe trabalhadora”, reflete José Celestino Lourenço, atual secretário nacional de Formação da CUT.
Neste contexto, ressalta o dirigente, os impactos daquela crise sobre a juventude e as mulheres, parcelas da população que mais sofriam com o desemprego e com a falta de acesso a serviços de proteção social de qualidade, impunham ao movimento sindical brasileiro, e em particular à CUT, a necessidade de um novo olhar sobre suas demandas.
Outro tema enfatizado na agenda sindical nos anos 1990 foi o meio ambiente, principalmente diante do processo crescente de desmatamento da Amazônia, do aumento da agropecuária e do agronegócio, além da crescente urbanização, que causavam impactos profundos sobre as culturas dos povos amazônicos.
“Os temas juventude, mulheres e meio ambiente foram tratados como prioridades na cooperação com a DGB no campo da formação sindical nos anos 1990. A proposta era fortalecer o processo de organização dos jovens e mulheres sindicalistas, como condição para avançar uma agenda propositiva de reivindicações, tanto no âmbito do mundo do trabalho quanto no campo das políticas públicas. Em relação ao tema do meio ambiente, o objetivo maior era fortalecer a organização dos trabalhadores e trabalhadoras da região amazônica para avançar na defesa de um modelo de desenvolvimento com preservação do meio ambiente”, afirma o secretário nacional de Formação da CUT.
De acordo com ele, olhando os resultados de todas as ações desenvolvidas, a avaliação é bastante positiva. “Foi uma relação de cooperação de muito sucesso, percebendo o nível de organização que temos hoje, na CUT, da juventude e das mulheres, bem como o fortalecimento da agenda sobre as questões ambientais para além da Amazônia”, reflete.
Os anos
1990 foram emblemáticos
para os indicalismo brasileiro
A crise do meio ambiente entrou
na agenda sindical nos anos 1990 e virou uma das
prioridades na cooperação com os alemães
José Celestino Lourenço, secretário nacional de Formação da CUT
Foto: Débora Klempous
Foto: Débora Klempous
Nos anos 2000, aquela parceria construída nos 1980 e 1990 gerava frutos. Para Alfredo Santos Jr, atual secretário nacional de Juventude da CUT, o curso Juventude e Sindicalismo, promovido pela parceria CUT-DGB, foi fundamental para a organização da juventude CUTista. “Foi a partir deste curso que se expandiram coletivos de juventude em diversas CUTs estaduais. E a atuação destes coletivos possibilitou a criação da Secretaria Nacional de Juventude da CUT, além das respectivas Secretarias de Juventude em todos os 27 Estados e 14 ramos de atividade da Central”, aponta Alfredo, ele mesmo um dos participantes da formação realizada a partir da cooperação. Assim como ele, diversos dirigentes nacionais atuais do movimento sindical brasileiro passaram pela formação.
Segundo o dirigente, a parceria também propiciou que o próprio tema juventude assumisse uma maior centralidade nos debates da CUT. “E, como a organização da juventude CUTista teve esta importante influência de uma cooperação internacional, naturalmente os dirigentes oriundos desta parceria têm uma visão mais aguçada quanto à necessidade do internacionalismo de ações”, aponta.
Rosana Sousa de Deus, da Executiva Nacional da CUT e atuando diretamente na Secretaria Nacional da Mulher Trabalhadora, que também participou do curso, avalia que a formação realizada através da cooperação Brasil-Alemanha possibilitou também que jovens mulheres tivessem oportunidade de se organizar para além das atividades específicas de mulheres, na construção de uma plataforma de luta para a juventude, incorporando as pautas feministas, consolidando-se, assim, como uma construção transversal.
“Na minha opinião, o projeto de formação para juventude aconteceu na hora certa, em um momento em que a conjuntura política sindical precisava de uma grande e forte inserção de jovens para que as pautas específicas deste setor fossem amplamente socializadas, discutidas, aprovadas e implementadas pelo conjunto dos dirigentes em suas entidades”, aponta Rosana.
Trabalhadores e dirigentes participam de formação sobre redes sindicais
Foto: Débora Klempous
Nova era: eleição de Lula, em 2003, permitiu a valorização do salário mínimo e o aumento do nível de emprego
Em meio à crise econômica mundial da primeira década dos anos 2000, as redes de trabalhadores
em multinacionais se mostram fundamentais para a garantia dos direitos no chão de fábrica
A chegada de um novo século também renovou a esperança da classe que esteve à frente de uma luta histórica por seus direitos. A eleição do ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República, em 2003, ganhou repercussão mundial e ampliou o espaço para discussões e políticas internas que já faziam parte da pauta das centrais sindicais, a exemplo da valorização do salário mínimo e do aumento da empregabilidade.
Nesse contexto, a cooperação entre Brasil e Alemanha se intensificou e os anos subsequentes reafirmaram a luta dos trabalhadores por condições dignas de trabalho e pela igualdade de direitos, levando a importantes conquistas e à consolidação das redes sindicais, principalmente nas multinacionais alemãs.
Ao longo dos anos, a atuação em redes tem mostrado, inclusive, a possibilidade de avanços nas organizações por locais de trabalho e na luta por Contratos Coletivos Nacionais de Trabalho, a partir da articulação entre os diferentes níveis de organização dos trabalhadores nos vários países em que a empresa atua. Tudo está relacionado. “O relacionamento internacional é muito importante porque você coloca em cheque a empresa – se tem lá, por que não te aqui? Mas, para isso, é preciso fortalecer os sindicatos”, explica o ex-dirigente da CUT e da ICEM (atual IndustriALL) José Drummond. “Daí surgiu a ideia de a gente organizar os sindicatos em rede, mostrando para os sindicalistas que é importante a luta deles individual, na cidade ou na fábrica, mas mais importante e fundamental seria que eles pudessem atuar organizadamente, dialogando com os sindicatos das empresas matrizes, levando sempre em conta, paralelamente, o contato internacional”, completa.
Diante disso, vêm sido fomentados projetos de formação que tratam também das questões globais, através da organização em redes internacionais em empresas multinacionais. Mais recentemente, destaca-se o Projeto CUT Multi, desenvolvido pela CUT em parceria com a central holandesa FNV, a CNM/CUT, a CNQ/CUT e o Instituto Observatório Social.
Entre os anos 2000 e 2010, o projeto teve o papel de difundir a atuação em redes e explicar para os trabalhadores por que elas são necessárias nacional e internacionalmente. Em 2011, as diretrizes foram adotadas pelo centro de formação DGB Bildungswerk (DGB BW) no projeto Promoção dos Direitos Trabalhadores na América Latina, também em parceria com metalúrgicos e químicos, CUT e IOS.
O relacionamento internacional é muito importante porque você coloca em cheque a empresa – se tem
lá, por que não
tem aqui?
José Drummond, vice-presidente da ICEM na década de 1990
Esse debate potencializa a troca de informação entre trabalhadores ao redor do globo, fortalecendo ainda mais suas lutas. Segundo o presidente da Central Sindical Internacional (CSI), João Felício, as redes procuram estimular a organização por local de trabalho, “que é fundamental para quem defende um sindicalismo de base, de luta democrática”, ao mesmo tempo em que estimulam um conhecimento profundo sobre a empresa e sua lucratividade, criando condições de autodefesa mais eficientes, que fazem parte de uma coletividade que extrapola um país.
“É por isso que a CSA e a CSI têm pautado sistematicamente o papel das multinacionais no mundo e como a gente consegue estabelecer ações unitárias. Não é fácil desenvolver uma luta no Brasil e, ao mesmo tempo, na África do Sul, mas, da mesma maneira que o capital é extremamente ágil para defender seus interesses, nós também temos que nos adaptar e sermos extremamente ágeis para fazer grandes ações de abrangência mundial”, enfatiza Felício.
Foto: Arquivo/Cedoc CUT
Direitos globalizados: esforço conjunto de promoção
ANOS 2000
Foto: Débora Klempous
Neri e Guimarães: estruturação da rede de informações dos trabalhadores da Bayer completa dez anos em 2014 com várias conquistas
Os Conselhos de Empresas Europeus, que representam
os trabalhadores de empresas que atuam no continente, dão
respaldo para outras experiências sindicais transacionais
Organização
no local de trabalho
Os ganhos para a classe trabalhadora diante da atuação em redes aparecem em casos emblemáticos ainda no início da década de 2000, a exemplo do que se passou na Mercedes-Benz. Um ano depois de criado o Comitê Mundial dos Trabalhadores na Mercedes, em 2001, a empresa pretendia fechar três fábricas no mundo, uma delas no Brasil. O primeiro brasileiro membro do comitê mundial da empresa e atual diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Valter Sanches, conta que, devido a essa organização, a decisão pôde ser negociada com os empresários e uma reestruturação foi feita sem que nenhuma das unidades fosse fechada.
No ano seguinte, mais uma vitória: “Conseguimos celebrar um acordo marco internacional, chamado de Princípios de Responsabilidade Social, e o primeiro uso dele foi justamente para reverter demissões que vinham ocorrendo. Também resolvemos problemas com empresas de terceiros e fornecedores”, lembra Sanches, que desde 2007 integra o Conselho de Administração da Mercedes, representando os trabalhadores ao lado de funcionários alemães.
“Costumo dizer que sou uma mosca branca porque não tem outro não alemão em nenhum outro conselho de administração das multinacionais alemãs”, brinca. “É bastante significativo para nós”.
O sistema de cogestão alemão e as informações vindas dos representantes dos trabalhadores da matriz também foram fundamentais para a estruturação da rede na Bayer nesse período. “A rede é um processo de articulação que nos mantém informados. Construímos a rede em 2004, estamos completando dez anos e já temos vária conquistas”, observa o coordenador da rede Bayer, Geraldo Guimarães.
A organização sindical transnacional e dos comitês mundiais, por sua vez, ganharam respaldo de outras experiências internacionais de referência, como os Conselhos de Empresa Europeus (CEEs), que representam os trabalhadores por empresa de dimensão comunitária e atuam como corpo consultivo entre os países da União Europeia. Por meio deles, os trabalhadores têm garantido seu direito de acesso a informações da empresa que interferem em sua vida laboral. Os CEEs serviram, ainda, de modelo para o Contrato Coletivo do Mercosul (CCM), na Volkswagen, em 1999 – ainda que este não tenha sido regulado por nenhuma diretiva comunitária. “A participação de organizações sindicais brasileiras no CCM, ainda que significando, em parte, uma ‘importação’ da cultura de diálogo da VW, funcionou como pioneira à escala do Mercosul”, ressalta o professor pesquisador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Hermes Augusto Costa.
Organização do local de trabalho - Parte 1
Dos comitês às redes
Desdobramentos da crise
Transposição de fronteiras
Foto: Roberto Parizotti/CUT Nacional
Hofmann: políticas sindicais têm de se globalizar
Para além dos CEEs, os anos 2000 permitiram o fortalecimento das redes em diferentes empresas ao redor do globo, bem como avanços no diálogo social. Com a Alemanha, a parceria se fez mais forte. “As empresas são globalizadas, e nós também temos que globalizar nossas políticas sindicais”, aponta o diretor para a América Latina da DGB BW, Niklaas Hofmann, que adianta que a central alemã está construindo um escritório regional para a América Latina no Brasil. Já as empresas seguiram aprendendo a negociar com os trabalhadores através das redes. “Nossa relação com o comitê sindical de empresa evoluiu. A gente não discute apenas questões básicas, mas também estratégias da empresa, como longevidade do negócio, nossa competitividade no mercado e custos da região”, diz o gerente sênior de Recursos Humanos e Relações do Trabalho da Mercedes, Amilton Rocha.
As empresas são globalizadas,
e nós também temos que globalizar nossas políticas sindicais
Para o diretor de Relações Trabalhistas da Bayer, Eder Correa, com o diálogo permanente, a empresa passou a não acumular demandas ao longo dos anos, o que dificultava o processo de negociação. Pela BASF, o vice-presidente de Recursos Humanos para a América do Sul, Wagner Brunini, destaca que, munidas de informação, poder de comparação e consciência, as redes têm gerado expectativas no trabalhador, com as quais a empresa deve lidar. “Isso é bom, acima de tudo, para a relação entre capital e trabalho”, avalia Wagner.
Niklaas Hofmann, diretor da DGB BW para a América Latina
Foto: Débora Klempous
Foto: Débora Klempous
Foto: Roberto Parizotti/CUT Nacional
Rocha, Correa e Brunini: para representantes das empresas alemãs, formação de redes auxilia no diálogo e melhora relação com trabalhadores
A crise econômica mundial iniciada no ano de 2008 atingiu principalmente os países do Norte, que sofreram uma retração na produção industrial, e ainda hoje sentem a reverberação das medidas adotadas ao longo dos anos.
Para o Brasil, esperava-se apenas uma “marolinha” e, de fato, o País não presenciou consequências catastróficas para os trabalhadores. Isso aconteceu, por um lado, devido à postura do Governo, que reduziu o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e ampliou o crédito, por outro, por conta da pressão sindical.
“Não adiantava aplicar propostas de flexibilização de direitos, de aumento do desemprego, como forma de enfrentar a crise. Ao contrário, nós, aqui no Brasil, articulamos rapidamente, através do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, uma reação a empresários, inclusive brasileiros, que queriam enfrentar a crise com esses modelos internacionais”, revela o ex-presidente da CUT Artur Henrique Santos.
A equação era gerar renda para manter o consumo e, consequentemente, a produção. “Isso acabou nos aproximando dos alemães em um sentido inverso, ou seja, eles nos chamavam para contar a experiência do Brasil de enfrentamento da crise, o que foi importante para nosso movimento sindical”, avalia Artur.
Organizados há mais de 20 anos em comissão de fábrica e há 10 anos em rede de trabalhadores, os funcionários da Bayer no Brasil, junto ao sindicato, negociaram com a empresa formas de minimizar os impactos da crise, que atingiu principalmente o ramo de Material Science da corporação, na planta de Belford Roxo (RJ). Eder Correa explica que não houve demissões e foi acordada uma compensação de horas não trabalhadas, que seriam repostas no período de manutenção preditiva no ano seguinte: “As pessoas ficavam em casa, recebendo salário e benefícios normalmente, e compensariam esse tempo, dentro dos limites legais, na manutenção preditiva, quando geralmente se faz hora extra”.
Para a diretora de Projetos do Programa Sindical da Fundação Friedrich Ebert (FES), Waldeli Melleiro, a recuperação das empresas reafirma a real possibilidade de superação da crise sem cortes de salários ou demissões. “Algumas empresas alemãs vieram com esse discurso, mas, se demitiram, contrataram depois.
Houve conflitos e debates, mas a crise aqui foi diferente do que foi na Alemanha. Lá, houve medidas, mas, ainda assim, a situação foi revertida rapidamente e as redes ajudaram muito nessa troca de informações”, ressalta.
Com a BASF, o impacto nas plantas do Brasil também foi menor do que o esperado, apesar de a empresa ter anunciado que iria parar 130 fábricas no planeta. O coordenador da rede de trabalhadores na BASF da América do Sul, Airton Cano, conta que “no mundo, alguns trabalhadores foram demitidos, mas, aqui, foi o ano em que a BASF ganhou mais dinheiro. De lá pra cá, ela tem investido no Brasil”.
Por outro lado, o momento era também de reorganização dos trabalhadores da BASF, que vinham julgando o diálogo com a empresa viciado e com poucas ações concretas. A situação levou a uma greve nacional em 2009, seguida de um interdito proibitório por parte da empresa. “Começamos uma iniciativa para ir para um acordo marco nacional, mas a BASF não aceitou. Montamos um grupo de trabalho com sindicatos e rede para construir Diretrizes para o Diálogo Social e, ali, a BASF não pôde recusar o debate”, fala o coordenador da rede, que comemora 15 anos de formação e configura-se como pioneira no ramo químico.
Nesse cenário, o movimento sindical seguia cavando seu espaço cooperativamente. “A gente conseguiu organizar dezenas de redes ao longo dos anos. No caso da rede BASF, eu fui um dos que, com outros companheiros, iniciou esse processo aqui no País. Essa luta passou pelo convencimento dos sindicatos, foi necessário apoio forte da Alemanha para que ela saísse no Brasil e para iniciar sua consolidação em nível regional”, recorda Drummond.
Foto: Débora Klempous
A forma como o Brasil enfrentou a crise global de 2008 nos aproximou dos alemães
Artur Henrique Santos,
ex-presidente da CUT
O intercâmbio crescente entre organizações sindicais de diferentes países, de fato, possibilitou avanços em escala macro nos anos 2000, respaldados principalmente pelas federações internacionais e pela Central Sindical Internacional. Sérgio Novais, atualmente membro do comitê de finanças da IndustriALL, conta que “no congresso de 1999, houve uma decisão global de que iríamos criar redes de trabalhadores. Em 2003, eu entrei na ICEM e a gente seguiu trabalhando esse tema”. Mais recentemente, já em 2012, a ICEM, federação internacional dos químicos e mineradores, se fundiu com as federações internacionais dos metalúrgicos e dos têxteis, dando origem à IndustriALL, que hoje desenvolve essa política internacional de redes e acordos globais.
“Agora, por exemplo, na Colômbia, está havendo assassinato de sindicalistas, então, a gente faz pressão ao governo, denuncia na OIT, na ONU, onde for, para que isso acabe, sempre de forma conjunta com o sindicato local, negociando e respeitando cada país. Hoje, somos mais de 50 milhões de trabalhadores representados, 140 países, toda a América Latina, o que fortalece muito a ação. Mas está todo mundo aprendendo, a IndustriALL é muito recente”, explica Novais.
Nesse período, foram impulsionadas outras ações importantes para o movimento sindical, ainda no âmbito das também chamadas Global Union Federations (GUFs), as Federações Sindicais Internacionais. A diretora da FES Brasil, Tina Hennecken, destaca a experiência da federação: “Surgiram novos projetos de cooperação, como um projeto que reúne juventudes sindicais da Alemanha e de países da América Latina. No encontro, eles fizeram uma peça de teatro sobre globalização e ficaram maravilhados de ver que é possível fazer diálogo e ação política de um jeito mais criativo”, conta.
A ampliação do diálogo e das perspectivas de atuação internacional também fomentou a luta por acordos marco internacionais, como observa o professor de Sociologia da USP e pesquisador do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania, Leonardo Mello: “Diante de um contexto de sindicalismo global, a rede está discutindo empresas multinacionais que farão, eventualmente, acordos marco globais, que devem ser assinados também por essas federações globais de sindicatos”.
O caminho, no entanto, é longo. “A gente ainda está começando”, alerta José Drummond.
Foto: Débora Klempous
Novais: presença brasileira na IndustriALL
Foto: Débora Klempous
Hennecken: impulso à juventude sindical
Organização do local de trabalho - Parte 2
Foto: Débora Klempous
Novos desafios: redes de trabalhadores buscam diálogo com multinacionais
Com o Brasil se destacando no cenário mundial, as redes de trabalhadores
em empresas multinacionais encaram o desafio da promoção do diálogo social
O mundo hoje é muito menor do que 100 anos atrás”. A afirmação do presidente da CSI eleito este ano, o brasileiro João Felício, diz respeito ao encurtamento das distâncias entre os países através da ação sindical. “O nosso sonho é que um dia, quando estiver acontecendo uma luta em um dado país, aquela mesma luta também esteja ocorrendo em outro país”, revela.
Tudo indica que o Brasil esteja na direção certa, ainda que os desafios sejam muitos. A própria eleição de João Felício ao cargo de presidente da CSI, bem como a eleição de Antônio Lisboa, outro brasileiro, para o Conselho de Administração da OIT, constituem fato inédito e são resultado de décadas de protagonismo. “Isso é positivo no processo de democratização na solidariedade internacional. Para isso, é necessário também democratizar as instâncias de poder, não as restringindo a só uma região. Vamos conseguir diminuir as distâncias e desenvolver ações cada vez mais solidárias”, garante Felício.
O reconhecimento internacional da luta brasileira em defesa dos trabalhadores também tem permitido que o Brasil assuma ações de cooperação com outros países. “Está na hora de também devolver a solidariedade que sempre tivemos das outras centrais do mundo”, afirma o presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM/CUT), Paulo Cayres.
Ele acrescenta que um dos projetos atuais da CNM/CUT é para inclusão de mulheres em Moçambique, junto ao Sindicato dos Metalúrgicos local e com apoio do CAW (Canadá) e da IndustriALL. “Nosso país tem uma dívida histórica com os povos africanos e tem que pagar. As redes possibilitam isso”, aponta Cayres.
O debate de gênero também tem sido uma discussão forte na Confederação Nacional dos Químicos (CNQ/CUT). A presidenta da CNQ/CUT, Lucineide Varjão, fala sobre o projeto de formação e qualificação de mulheres no ramo químico, feito em parceria com a FES: “Estamos com diversas atividades regionais de fortalecimento da participação das mulheres nos espaços sindicais e de poder”, conta. Na própria CUT, a discussão ganhou forma de ação – decidiu-se que 50% de seus cargos deverão ser ocupados por mulheres no próximo ano.
O nosso sonho é que um dia, quando estiver acontecendo uma luta num dado país, aquela mesma
luta também esteja ocorrendo
noutro país
João Felício, presidente da CSI
Lucineide Varjão, presidenta da CNQ/CUT
Foto: Débora Klempous
Lucineide Varjão, presidenta da CNQ/CUT
Esforços contra a precarização
Simultaneamente aos avanços, entretanto, o Brasil vivencia um crescimento econômico que tem impulsionado a ação do capital no sentido inverso, como explica Leonardo Mello, o professor de Sociologia da USP e pesquisador do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania. “A globalização agora é um movimento de mão dupla: ela entra, mas também sai do Brasil. As em- presas brasileiras estão participando da globalização. Há várias delas – Vale, Gerdau, Petrobras, Itaú, entre outras – com ativa presença em outros países”, destaca.
Mais uma vez, é importante que o movimento sindical brasileiro protagonize ações internacionais, a fim de não permitir que multinacionais brasileiras se desloquem com o intuito de precarizar as condições de trabalho.
O contexto capitalista de fusão e aquisição e de fragmentação da produção impõe que os sindicatos estejam mais atentos às tentativas de redução e flexibilização de direitos que vêm a reboque dessas práticas. O ex-presidente da CUT Artur Henrique reforça que, hoje, uma única empresa atua em diferentes setores de atividade. “A mesma empresa que está no setor de energia, está no setor de construção, que está no setor de serviços, que tem um banco e que ainda tem uma fábrica de suco de laranja. Então, é o mesmo controlador, ou são alguns controladores que comandam essa grande empresa”, pontua.
Rede como reforço à ação sindical
Conhecimento e formação
Diante disso, torna-se fundamental o fortalecimento da ação sindical. “Cada vez mais me convenço de que é uma política acertada das centrais de irem por esse caminho das redes, porque o capitalismo também está indo. Ele não está mais concentrando tudo em um só lugar e a rede deve acompanhar isso”, sugere Mello.
Ao mesmo tempo, os vários desafios estão postos e vão desde a resistência de boa parte das empresas a firmarem acordos marco globais às diferentes legislações de cada país. No caso do movimento sindical brasileiro, há o agravante de uma estrutura que favorece a pulverização de sindicatos, o que enfraquece a luta por direitos iguais dos trabalhadores, como frisa Artur Henrique: “Enquanto a Alemanha constrói sindicatos com até 9 milhões de sindicalizados, nós aqui construímos, a cada dia, dois novos sindicatos com cerca de 10 sócios, que não têm a menor representatividade”, critica.
A fragmentação de sindicatos, de acordo com o vice-presidente da ICEM na década de 1990, José Drummond, favorece sempre a empresa, que costumava fazer um acordo diferente com cada sindicato, manipulando essa divisão. “Jogar na divisão sindical é jogar na estratégia do patrão. É disto que a multinacional precisa: ir para um país que não tenha organização sindical para ela poder explorar os trabalhadores”, sentencia.
Por outro lado, a própria estrutura sindical brasileira alimenta a resistência por parte de alguns sindicalistas, que, muitas vezes, não aceitam as redes por não compreendê-las ou por estarem viciados na luta sindical fragmentada. A rede, por sua vez, não disputa poder com os sindicatos, pelo contrário, é uma das suas missões fortalecer a organização no local de trabalho e as ações dos sindicatos locais, uma vez que há demandas específicas dos trabalhadores de uma fábrica ou de um município que cabem ao sindicato atender.
Os sindicatos, legalmente, são quem representam o trabalhador,
e a rede não pode tirar sua autonomia nunca
Foto: Débora Klempous
Airton Cano, coordenador da rede de trabalhadores da BASF da América do Sul
“Os sindicatos, legalmente, são quem representam o trabalhador, e a rede não pode tirar sua autonomia nunca”, sublinha o coordenador da rede de trabalhadores na BASF da América do Sul, Airton Cano.
João Felício faz coro à necessidade de compreensão da rede: “O sindicato que admite a rede sindical consegue se fortalecer ainda mais. Não há uma contraposição entre interesses, ao contrário, é uma das mais belas intenções que o sindicato deve ter”.
A globalização agora é um movimento de mão dupla: ela entra, mas também sai do Brasil
Foto: Débora Klempous
Leonardo Mello, professor
e pesquisador da USP
A formação de dirigentes sindicais e empresários, portanto, se faz imprescindível. Niklaas Hofmann, diretor para a América Latina da DGB BW, acrescenta que, no Brasil, “gerentes locais não são formados, não crescem com essa mesma experiência com os sindicatos como crescem os responsáveis pela empresa lá na Alemanha”, compara.
Para o presidente do Instituto Observatório Social, Roni Barbosa, há também a necessidade de os sindicatos atuarem mais amplamente na promoção do diálogo social. “O Brasil precisa fortalecer seus sindicatos e ampliar o diálogo social, mas para isso tem que haver uma compreensão melhor, especialmente dos empresários, em relação ao papel dos sindicatos no Brasil. Ao mesmo tempo, o trabalhador, se não estiver capacitado para fazer esse tipo de negociação, não vai avançar no diálogo”, aponta. Ele também destaca a importância do projeto formativo Promoção dos Direitos dos Trabalhadores na América Latina, no qual são abordados os temas globalização, redes sindicais, diálogo social, normas da OIT, Pacto Global, diretrizes da OCDE, entre outros.
Desde 2011, o Instituto Observatório Social está à frente deste projeto no que diz respeito a formação e capacitação dos trabalhadores, com foco na atuação em redes. O objetivo é não apenas formar trabalhadores mais cientes de seus direitos, mas também estimular e conduzir a capacitação e o fortalecimento de redes, unindo forças e levano a conquistas. “Hoje, percebe-se uma mudança no comportamento dos trabalhadores. A tecnologia e a informação estão acessíveis a todos, mesmo aos que não trabalham diretamente com esses recursos. Dessa forma, a troca de informação e a atuação conjunta têm sido um desafio e um avanço. Um avanço porque, até bem pouco tempo, era muito difícil que uma grande empresa reconhecesse uma rede e estabelecesse diálogo com seus trabalhadores. E é um desafio, porque sempre há contraposição de interesses”, completa Barbosa.
O Brasil precisa fortalecer seus sindicatos e ampliar o diálogo social, mas para isso tem que haver uma compreensão melhor
Roni Barbosa, presidente do Instituto Observatório Social
Foto: Débora Klempous
Outro desafio é incluir a juventude no movimento sindical em um contexto de novas tecnologias. Airton Cano, da rede Basf, conta que termos como par-ttime, home office e work mobile, por exemplo, já fazem parte da estratégia das empresas. “Fui buscar acordos que existem na Alemanha. São tendências que a gente tem discutido e vem tentando entender como é o jovem no mercado de trabalho hoje”, revela.
Artur Henrique vai além e acredita que há de se pensar quais serão as profissões daqui a 10 anos. “Além disso, temos uma juventude e mui- ta gente plugada na internet, com possibilidades de fazer coisas e tomar decisões de forma virtual, o que dificulta a ação sindical. Precisamos pensar em mecanismos novos de organização, sem abandonar a tradição de mobilização e pressão do movimento sindical brasileiro”, avalia.
Diante disso, o reconhecimento das redes pelos próprios trabalhadores que elas representam talvez seja a primeira grande conquista dessas organizações sindicais. Não menos importantes, os avanços na luta por respeito, diálogo e trabalho decente remontam um sindicalismo ativo e propositivo em nosso País, afinal, como lembra Lucineide Varjão. “Todas as nossas conquistas não foram dadas, foram conquistadas, e a história do Brasil mostra isso”, ressalta.
E, se nada é tão fácil para quem levanta cedo, sua e sangra por uma vida digna e solta o ar no fim do dia, entregando ao patrão aquilo que valia mais, um pouco de humanidade é o mesmo que a confiança em dias melhores, e o começo de tudo.
“As redes estabelecem conhecimento das realidades distintas, planos comuns de luta e, principalmente, a solidariedade de classe, que é o DNA da CUT. Não faz sentido haver uma rede para que não seja exercida a solidariedade”, acredita Paulo Cayres – e, certamente, todos os trabalhadores que ajudam a escrever esta história.
O FUTURO
Além disso, dentro do projeto Promoção dos Direitos Trabalhistas na América Latina, desenvolvido pela CUT em parceria com CNM/CUT, CNQ/CUT, Instituto Observatório Social e apoiado pela DGB BW, a expectativa é que, nos próximos três anos, o trabalho de formação e fortalecimento de redes seja ainda mais focado no combate ao trabalho precário e na promoção do diálogo social.
Nesse sentido, o projeto vem somar forças contra o comportamento das grandes empresas, que, no contexto capitalista atual, migram para regiões onde o movimento sindical é enfraquecido a fim de explorar o trabalhador e burlar a legislação a favor de maiores lucros.
Estamos com diversas atividades regionais de fortalecimento
da participação das mulheres nos espaços sindicais e de poder
Foto: Débora Klempous
Cayres: hora de devolver a solidariedade
Desafios
Foto: Roberto Parizotti/CUT Nacional
Fichter: os sindicatos estão encarando um desafio incrivelmente grande
ENTREVISTA
“OS SINDICATOS PRECISAM INFLUENCIAR
ATRAVÉS DE TODA A CADEIA DE VALOR”
Em entrevista exclusiva a esta publicação, o professor da Universidade Global do Trabalho Michael Fichter defende que os sindicatos precisam realizar mais pesquisas para pensar e agir com estratégia
Especialista em relações do trabalho, o cientista político norte-americano Michael Fichter é hoje uma das grandes referências mundiais quando o assunto são acordos marco globais e negociações coletivas a partir da perspectiva da globalização. Em visita ao Brasil, o professor na Universidade Global do Trabalho na Alemanha e membro do Instituto Otto-Suhr de Ciência Política na Universidade Livre de Berlim falou sobre as mudanças, as conquistas e os desafios para o mundo do trabalho.
Projeto Promoção dos Direitos Trabalhistas na América Latina – Como o senhor vê a atuação dos sindicatos hoje em dia?
Michael Fichter – Os sindicatos estão encarando um desafio incrivelmente grande. De acordo com estatísticas da Confederação Sindical Internacional, dos 2,9 bilhões de trabalhadores no mundo, apenas 7% são organizados em sindicatos reconhecidos. Isso é um número muito, muito pequeno.
Os sindicatos estão começando a partir de um nível baixo de força de organização. Os sindicatos também são organizados nacionalmente ou localmente, e esse é o conceito de como eles operam. Está se tornando um processo de aprendizado agora entender que eles devem incluir questões globais nos seus procedimentos regulares de operação, no dia a dia. Este é o primeiro passo para entender a importância das questões globais para as operações diárias dos sindicatos.
PPDTAL – Como os acordos marco globais têm influenciado as relações trabalhista sem multinacionais?
Fichter – As políticas que as fedevrações globais de sindicatos desenvolveram ao redor dos acordos globais começaram no início dos anos 1990. Desde aquela época, o número de acordos aumentou para mais de uma centena.
Com esses acordos, pela primeira vez, as corporações transnacionais reconheceram os sindicatos globais como representantes legítimos dos trabalhadores.
Começa a ter uma representação global que nunca havia sido reconhecida antes. Esses acordos oferecem meios de diálogo com as corporações. Isso é bom como um passo, mas não é o suficiente. Os acordos sempre incluem as normas fundamentais do trabalho da OIT, e isso significa que as corporações precisam reconhecer a liberdade sindical e a negociação coletiva.
PPDTAL – O senhor vê alguma mudança no comportamento dos trabalhadores a partir desse conhecimento?
Fichter – Em toda a história do movimento trabalhista, os trabalhadores resistiram e tentaram formar uma representação coletiva. Em primeiro lugar, em seus locais de trabalho. Mas então eles perceberam que apenas organizar o local de trabalho não costuma ser suficiente, porque as corporações são muito maiores que isso.
Então, o que mudou com os acordos marco globais é que os sindicatos começaram a reconhecer, agir e desenvolver políticas que são muito mais globais. E começaram a estender o poder dos sindicatos para além do local de trabalho.
Primeiro, para além da companhia, e isso inclui o local onde a empresa está e suas redes, e hoje se estende também das empresas individualmente para toda a cadeia de valor. E por cadeia de valor eu quero dizer a forma com que as grandes companhias, empresas transnacionais, extraem material bruto, a forma com que elas usam esses materiais brutos para produzir componentes que depois são montados e vendidos no mercado.
É todo o processo que precisa ser coberto e os sindicatos precisam tentar influenciar seu poder através de toda a cadeia de valor.
Trabalhadores começam a ter uma representação global que nunca havia sido reconhecida antes.
É um passo, mas ainda não é suficiente
Foto: Débora Klempous
Segundo Fichter, o poder dos sindicatos tem sido ampliado para além do local de trabalho
De acordo com a Confederação Sindical Internacional,
dos 2,9 bilhões de trabalhadores no mundo, apenas 7% são
organizados em sindicatos reconhecidos
Foto: Débora Klempous
Pensamento estratégico: para Fichter, sindicatos devem projetar a ampliação de seu poder e forçar corporações a negociar coletivamente
PPDTAL – Quais são os principais desafios para esta ação globalizada?
Fichter – Algumas companhias não querem que os trabalhadores se reúnam e interajam com seus irmãos e irmãs em outras empresas em outros países. Às vezes, até mesmo os sindicatos não têm certeza sobre como interagir com outros sindicatos. E nós temos realmente que entender que há problemas envolvidos nisso, há interesses diferentes envolvidos. Se algum sindicato tem uma relação muito boa com a companhia e, dentro da mesma empresa, em outro país, o sindicato pode ter uma relação muito ruim com a companhia, então esses dois sindicatos terão interesses diferentes. O sindicato com a relação ruim pode querer atacar a companhia, enquanto o sindicato com bom relacionamento pode dizer “Não ataque a empresa, nós temos uma boa relação”. Acho que os sindicatos precisam aprender a ser bastante abertos e realistas sobre esses problemas e discutir isso. É claro que eu acho que eles podem encontrar respostas para esses problemas. Mas eles precisam ser capazes de entender quais são seus interesses e quais são os interesses coletivos. Eu vejo isso evoluindo hoje em dia. Acho que é uma chance e uma oportunidade para os sindicatos para aumentar seu poder e espalhar a representação de seus interesses muito mais amplamente.
PPDTAL – Em comparação com o Brasil, o menor número de sindicatos nos países europeus se mostra vantajoso?
Fichter – Em muitos países europeus, é uma vantagem que os sindicatos se uniram e se fundiram para formar sindicatos industriais que podem negociar transversalmente com toda a indústria, com companhias.
Algumas companhias não querem que os trabalhadores se reúnam e interajam com seus irmãos em outros países
Porque assim uma companhia não pode jogar um sindicato contra o outro. É o mesmo tipo de processo que falo a nível global. É um processo que iniciou talvez há 50, 60 anos na Europa, quando os sindicatos se deram conta de que teriam mais poder se eles operassem em nível industrial.
Mas é claro que esse é um processo de aprendizagem pelo qual todo sindicato global precisa passar. Há uma vantagem na Europa pelo fato de que os sindicatos são capazes de institucionalizar seu poder por meios legais, onde eles são reconhecidos como representantes do corpo de empregados, por exemplo. E em muitos países também há boas leis trabalhistas que protegem e ajudam os sindicatos a serem capazes de negociar melhores resoluções.
PPDTAL – Como o senhor avalia uma boa relação entre os sindicatos e o Estado?
Fichter – Eu não acho que os sindicatos devam esperar muito das regulamentações legais do Estado. Acho que pode haver boas regulamentações do Estado, assim como pode haver más regulamentações. Os sindicatos precisam ter poder autônomo, a fim de manter sua força e não apenas depender das regulamentações do Estado. Podemos ver ao longo das últimas décadas que, sob esse nosso regime liberal do capitalismo, tem havido muita falta de regularização, liberalização de comércio e, ao mesmo tempo, as corporações têm se tornado mais dependentes de investidores financeiros. E isso significa lucro a curto prazo e flexibilização. Flexibilização do trabalho. E as companhias têm se reestruturado e terceirizado muitas de suas atividades. Isso significa que é muito mais difícil para os sindicatos reagir e defender coletivamente seus próprios membros. E esse processo de terceirização também foi expandido para todos os países ao redor do globo.
PPDTAL – Então o modelo atual de mercado não tem sido favorável aos trabalhadores de multinacionais?
Fichter – Hoje,as grandes corporações não estão interessadas se elas têm regulamentações com diferentes sindicatos aqui ou ali. Elas estão apenas procurando por lugares onde possam ter fornecimento e produção com o preço mais baixo, diminuir o custo e conseguir mais lucros. Elas estão sempre procurando por lugares onde elas possam se livrar das regulamentações dos sindicatos e de sindicatos fortes. E esse é um processo muito difícil. Os sindicatos devem reconhecer a necessidade de pressionar as companhias para que os reconheçam, porque é obviamente claro que as empresas não têm interesse de expandir a representação. São os sindicatos que devem ser os interessados em expandir o escopo do conflito e serem capazes de influenciar melhor o poder que, de fato, têm.
Hoje, as grandes corporações estão apenas procurando por lugares onde possam ter fornecimento e produção com o preço mais baixo
PPDTAL – O senhor acha que é possível que os sindicatos e as centrais consigam, em algum momento, a igualdade plena de direitos dos trabalhadores em diferentes países?
Fichter – A pergunta pode não ser sobre igualdade de salários, mas sobre encontrar um nível de pagamento que seja igual no sentido de poder de compra em cada país.
Há formas para se desenvolver isso, aumentando o salário e, o mais importante, com condições de trabalho. É preciso entender o porquê de uma empresa tratar os trabalhadores quanto ao tipo de trabalho que eles fazem de maneira mais pobre em um país que em outro. Por que alguns componentes químicos são permitidos e usados no processo de produção em um país e ser contra a lei em outro país? Eu penso que os trabalhadores podem aprimorar sua situação quando entenderem que esses são interesses comuns que podem ser encontrados. E quanto mais interesses em comum eles encontrarem, melhor será a cooperação.
Foto: Roberto Parizotti/CUT Nacional
Segundo Fichter, o poder dos sindicatos tem sido ampliado para além do local de trabalho
Os acordos globais são o ponto de partida e são a base para o entendimento. Eles oferecem um quadro para que sejam capazes de desenvolver a força organizacional.
Mas será necessário um trabalho pró-ativo dos sindicatos para desenvolver o tipo de representação de interesse e ação coletiva que os sindicatos precisam para perceber os desafios e os potenciais de tais acordos.
DTAL – E qual seria a estratégia para isso?
Fichter – É muito importante que os sindicatos coloquem mais recursos para perceber os potenciais desses acordos e para implementar esses acordos. Isso também significa que os afiliados, os membros do sindicato das federações globais sindicais, têm que chegar aos recursos, têm que ser capazes de comprometer recursos com isso.
Os sindicatos precisam pensar mais estrategicamente sobre como ampliar o poder que têm e serem capazes de forçar as corporações a negociar coletivamente. Os sindicatos têm que fazer mais pesquisa sobre onde estão os pontos fracos e onde eles podem ampliar o poder para alcançar as demandas, onde estão os sindicatos fortes, onde estão os sindicatos fracos.
Tudo é estratégia. E é preciso desenvolver uma estratégia coerente, que avance o interesse dos sindicatos em todos os lugares.
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